Reviews

The Keyhole Opera by Bruce Holland Rogers

rolandosmedeiros's review against another edition

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4.0

What the Wind Carries — Conto — 4.5*
O Vento como femme fatale


"She was in everything, everything made him think of her, including the wind that gusted so hard that he could lean back against it without falling."


Um conto mais longo do Rogers — e isso quer dizer que saímos das duas~três páginas costumeiras para sete~oito. Logo, é mais intricado, há mais espaço para a narrativa correr, e mais espaço para desenvolver personagens.

O Bruce, aliás, se aproveita disso para pautar o conto todo em um personagem. Num cenário que passa por Kansas, Denver e Boulder, naquelas pequenas montanhas tortuosas onde sobem e descem carros a todo tempo, e de onde se olha lá de cima para o brilho da cidade lá embaixo, nosso protagonista pensa no estado atual do seu relacionamento. Um amor quase juvenil, bonitinho. Está tudo muito dando certo. Tudo encaminhado. E então... há um salto no tempo. Quinze anos de um parágrafo a outro, e o rapaz — agora um homem — já se casara e divorciara duas ou três vezes, mas ainda não conseguia tirar da cabeça aquela noite (a noite da abertura da narrativa) nas montanhas: o vento, a sensação, as luzes.

Ele começa a perseguir aquela sensação. Escolhe se mudar para Boulder (segundo o Urban Dictionary há até uma giria para as mulheres/homens bonitos da região) justamente por conta do vento e das mulheres: faz todo um planejamento para que consiga se apaixonar por "alguém tão jovem quanto ele desejava se sentir", frequenta (como visitante) uma ou duas aulas por semestre, patrulha bares universitários e livrarias. Ele é desenrolado, e consegue; "apaixona-se" segundo o narrador, grita o nome da menina aos quatro ventos, e quando transam pela primeira vez a paixão acaba. Repete o processo. A mesma ladainha de sempre para seduzir mulher e transar; mas, uma hora algo parece mudar. De quando em quando começa a ver algo de canto de olho, se vira na direção nada vê. Persegue, e a silhueta some. Até que, um dia, voltando da casa de uma das namoradas, a vê pela primeira vez: sobrenaturalmente alta, magra e de longos cabelos negros. Desaparece aqui, e aparece ali ou mais adiante: é a personificação do vento.

A partir daí corre o grosso da narrativa, e nos emaranhamos e nos sufocamos tanto quanto o personagem principal em cabelo e vento. É delírio do personagem? É uma mulher de verdade? É apenas o vento? Só lendo e tirando as próprias conclusões. A reta final do conto é muito, muito boa, violenta e estranha, tanto que só posso entregar algumas partes:

"He stumbled, but kept his feet beneath him. The black air roared around him. Threads of wind whipped his face and hands, stung his eyes, and he realized that it was her hair again, lashing him more fiercely now. Hair filled his mouth. He struggled to breathe. His feet still struck the ground, still kept him moving, but he was lost, blind, exhausted. He didn't know he had fallen until he felt the sudden jolt of stones against his hands."


Alexandrian Light— Conto — 4.0*
Manaus envolvida num Sci-Fi


"Pereira had switched bands and had more news. Someone was bombing Manaus. If it was the Americans, they would be able to stop the Soviet convoy on the Amazon and shield the paratroops who had dropped hours ago into Cairo"


A trama Cyberpunk num canto de Manaus me faz relevar o fato dele achar que a gente fala portunhol. A narrativa de três páginas é toda pautada em uma metáfora interessante. Caiu algo alienígena em Manaus, e as três potências do mundo (União Soviética, EUA e União Sino-Japonesa) estão se estapeando para serem os primeiros a chegar lá. Nossos dois protagonistas, porém, chegaram primeiro. Um brasileiro e outro cara que só sabemos se chamar Hacker — e parece saber o que está fazendo. A conclusão, que tem a ver com anjos, com a Biblioteca de Alexandria e com "barbarismo", você vai ter de ler para descobrir.

(Tudo isso em três páginas!!!! Já está virando chavão falar isso, mas sempre me pega. A partir de agora sempre que me lerem falando do Bruce Holland me imaginem de olhos arregalados e fazendo o sinal de "só três páginas!!!" com a mão.)

Don Ysidro — Conto — 4.0*
Herança Machadiana


"[Quando morri, o povo do vilarejo] veio perguntar para Susana se ela lhes permitiria ficar com qualquer coisa que considerasse inútil ou fosse jogar fora. Perguntaram por muitos objetos desnecessários. Perguntaram por coisas que eu, em carne e osso, já os havia prometido. Eles pediram, até, permissão para cavar argila branca no ponto onde eu gostava de encontrá-la. Perguntaram, e eu consenti, e lhes dei minha bênção. Éramos, antes de tudo, um povoado muito educado. [Tradução Livre]"


É impressionante o quanto de uma narrativa o Bruce Holland consegue mover com duas, três páginas. Ele é um dos mestres do miniconto, sem dúvidas. Só consigo ver duas razões do porquê dele não ser conhecido aqui, nessa ordem: 1. Só há uma edição, e é portuguesa. Ela não chega aqui, e muito menos seus contos (que estão espalhados por um monte de antologia). 2. O interesse por essa formazinha (diminuta só em quantidade de palavras) caiu. Lembro que já houve uma época que os mini e microcontos eram mais populares, acho que talvez por conta dos blogues — hoje mortos.

Com um parágrafo ele te insere totalmente na história e já te enche de perguntas. Aqui acompanhamos um narrador que morre já nas primeiras linhas, e ele continua narrando a história mesmo morto. Até aí tudo bem, há uns joguinhos com a perspectiva do morto (a esposa, viva, começa a responder por ele e a gente até certo momento não sabe se ela está ouvindo-o ou se apenas o conhece muito bem); o cenário é um desses antigos vilarejos hispânicos ou chicanos, e, ao mesmo tempo, parece um lugar real e fictício, com seus padres e com seus cristãos devotos.

E então… o povo pede o rosto e as mãos do morto.
E ele concede.

Aí… aí você tem de ler. Em três páginas ele dá umas cinco voltas no leitor, e o conto termina — mesmo em meio a rituais macabros e estranhos — com uma mensagem e com um simbolismo nobre e "pra cima". Meio "Everyday Use", da Alice Walker, mas mais fantástico, mais idiossincrático e mais doido. Não é à toa que é mais um dos contos dele nomeado ao World Fantasy.

Chambers Like a Hive — Conto — 3.0*
Entre sonho e realidade


Poderá ser que nossos sonhos sejam a luz de outro mundo refletida neste?


Um homem estranhíssimo entra na vida da protagonista "como uma cortina de fumaça", e os encontros entre ambos vão ficando cada vez mais irreais. A realidade ganha aspecto viscoso. Eles saem com frequência; mas ela estranha a maneira como ele sempre aparece: basta que ela comece a pegar no sono, a cabeça a pender sobre o peito, e então ouve as batidas na porta. Quando estão juntos ela sempre procura, na rua ou no cinema, rostos familiares que a apontem "— Vi você com fulano ontem!", mas nunca acontece.

Os encontros vão ficando mais raros, o homem cada dia que aparece está menor e com "menos cor". Ele revela para ela os "quartos como colmeias" que existem debaixo da cada cama de cada um, e conectam todas elas entre si. O ghosting — real ou fantástico — que ela leva e a conclusão deixo a cargo do leitor, afinal, são meras três páginas.

ps. achei uma nova leva de contos do Bruce Holland na internet, então logo mais, mais entradas aqui.

O Menino Morto à Tua Janela — Conto — 4.5*
O Cotidiano, o Fantástico e o Mitológico.


"Num país distante onde as cidades tinham nomes improváveis, uma mulher contemplou a figura inerte do seu bebé recém-nascido e recusou-se a ver o mesmo que a parteira. Era o seu filho. Trouxera-o ao mundo em agonia, e agora ele tinha de mamar. Encostou-lhe os lábios ao seio. – Mas ele está morto! – disse a parteira. – Não – mentiu a mãe. – Ainda agora o senti mamar. – A sua mentira era como leite para o bebé, que na realidade estava morto, mas abria agora os olhos e pontapeava com as pernas. – Está a ver? E obrigou a parteira a chamar o pai para conhecer o seu filho."


A partir dessa grande abertura, desenvolve-se um dos melhores contos (ou flash fiction; ou mini-conto; ou micro-conto — chame como quiser) que li ultimamente.

Em uma prosa de ficção extremamente concisa, polida, mas de uma cismática imaginatividade que encerra um misto de sensações e toca, por meio do fantástico, em sóbrios temas. É a narrativa um menino-morto, tão fino que voa no ar como pipa, carrega consigo amor e memória; e dái, desenvolve-se a narrativa.

Infelizmente, não acho esse livro do Bruce Holland Rogers em lugar nenhum e tenho que, por enquanto, me contentar com esses intervalados contos que encontro — com sorte — nos lados capinados do matagal das redes.

O Gênio que Vive entre a Noite e o Dia — Conto — 3.5*
Gênios e Desertos alá Scherazarde


– Primo! A história que eu tenho para te contar!
– Que fizeste agora, Tayab?


Outro destes preciosos achados, é quase pecaminoso deixar entrever muito dessa narrativa: é a experiência de leitura que o engrandece; e esse tem sido um dos pontos altos do autor para mim.

Mais uma vez imerso no fantástico e no místico, temos aqui como ponto central um mundo de gênios e desertos, que em menos de cinco páginas (ele adora trabalhar com essas ficções curtas) ganha mais vivacidade e desperta nosso interesse tanto quanto as melhores histórias das Mil e uma Noites, inspiração, certamente, para esta história.

A narração centra-se em torno de um gênio, Al-Faq, que: "vivia na fresta entre a noite e o dia. Raramente se aventurava nos mundos dos seus semelhantes, e muito menos no mundo dos mortais."

Por essa razão (a introspecção e o isolamento), e talvez pela hospitalidade, pelo bom chá, e pelo ouvido atento e curioso para com os outros, é visitado "tanto os espíritos obedientes como os desobedientes (que) o consideravam um dos seus (...) para lhe contar as suas histórias."

Al-Faq recebe a visita de Tayab, um gênio das cinzas, que podemos adjetivar como um dos desobedientes, mas que pouco importa à Al-Faq, que coloca o chá a ferver, e prepara-se para ouvir o relato da vez: envolvendo mortes, pestes, o sentido das coisas e religiosidade. Menos "Scherazardiano" e mais "Hollandiano".

Possui, entretanto, a mesma forma de conto popular, com, arrisco dizer, a mesma magia — as repetições soam intencionais — que conhecemos tão intimamente desses contos antigos. Porém, aqui, neste deserto vermelho, temos um colorido a mais, um frescor a mais, fruto da prosa atraente e da imaginação lúdica, sem arestas, do Bruce Holland. E isso faz essa narrativa um dos melhores contos das Mil e uma Noites FORA das Mil e uma Noites".

Um homem que perde tudo; uma mulher que não aceita ser restituída de um roubo; o jogo dos gênios e a apreensão de um sentido — a necessidade de se agarrar, a fim de continuar vivendo depois de uma catástrofe.

"O génio Al-faq, que talvez seja de confiança ou talvez não, regressou depois à fresta entre a noite e o dia. E se o mundo não acabou ainda, é aí que continua a viver."


Little Brother — Conto — 2.0*
Gramaticalmente perfeito, estilisticamente imperfeito.


Com menos de cinco páginas, não é trocadilho dizer que este é um conto menor do Bruce Holland. Longe do fantástico e mais próximo da especulação (ainda que de leve) da ficção científica, a prosa apesar de "redonda", perde a magia das histórias anteriores, não toca em lugar algum, apesar de riscar, em seu encalço, pequenas questões. É demasiado pautado em uma peripécia final: arriscaria dizer que totalmente composto a partir dessa virada final, ao ponto de que tudo que o precede vem escrito de maneira acessória.

Um menino deseja incessantemente ganhar um irmãozinho (o tal Little Brother) de natal, e quando a mãe finalmente lhe dá, e eles se conhecem, e brincam juntos, a primeira coisa que o menino faz é... procurar o botão de desligar.

O conto assemelha-se àquelas frases e parágrafos gramaticalmente perfeitos, mas que pouco ou nada dizem. É salgadinho de noventa e nova centavos de água e sal: não é ruim, mas também não é bom, não enche, mas também não esvazia.
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