A review by acrisalves
LoveStar by Andri Snær Magnason, Tina Flecken

4.0

https://osrascunhos.com/2018/06/26/love-star-andri-snaer-magnason/

Love Star apresenta-nos uma dinamia utopia / distopia com elevadas propabilidades de se desenvolver, nem que seja parcialmente. Depois de uma série de espécies animais deixarem de conseguir migrar e deslocar-se para onde deveriam (desde aves a abelhas) alguns cientistas desenvolveram o homem sem fios – o homem capaz de comunicar com tudo o que o rodeia através da tecnologia sem fios. Nem comandos. Nem códigos. Em contrapartida paga uma mensalidade para manter todos os equipamentos actualizados, que apenas funcionam com a versão mais recente do firmware.

«Animais com cérebros do tamanho de uma noz, de uma semente, ou de um pedacinho de algodão alcançavam estes feitos; porém, para realizar a mesma viagem, e apesar de terem cabeças pesadas, os humanos precisavam de dezoito satélitos, um aparelho recetor, radar, mapas, bússolas, um transmissor, vinte anos de treino e uma atmosfera cheia de ondas, que quase deixara de ser transparente. (…)»

A nova tecnologia trouxe consigo vantagens e desvantagens. Se, por um lado, os seres humanos passam a ser capazes de controlar o que os rodeia de forma muito mais fácil, passam a ser escravos de um sistema, que os impele no sentido de consumirem sempre:

« Quem não atualizaca o seu sistema, podia ter problemas com os seus negócios ou comunicações. Os dispositivos domésticos sem fios e chaves automáticas de carros reconheciam somente o sistema mais recente. O mesmo se aplicava aos modelos de automóveis mais recentes, que não abrandavam automaticamente quando algúem com o sistema antigo atravessava a rua.»

Sem telemóveis, a comunicação é mental e, portanto, não é de todo usual ver pessoas a falarem sem ninguém ao lado pois estarão a comunicar com alguém. Se estava vertente parece interessante, o facto de poderem vender-se a empresas de publicidade é verdadeiramente aterrador – simulando ataques de pânico para conseguirem a atenção do público alvo, a quem debitam uma frase publicitária, as pessoas que se vendem como meio publicitário descarregam frases involuntariamente.

« Por fim, alguém descia a rua Klappartigur em bicicleta e gritava:

-FOORRRD! FORD!

Estas campanhas alcançavam sempre o seu público-alvo, pois não havia como lhes escapar. Calculava-se tudo até ao mais ínfimo pormenor e adaptava-se o anúncio ao grupo-alvo que era categorizado em todas as suas excentricidades. O sistema de proclamações era eficaz, simples e conveniente, e os cidadãos comuns podiam contratar um proclamador por uma pequena taxa de precisassem de um lembrete.

– Tem uma reunião com o ministro às três horas e não se esqueça do aniversário do seu casamento.»

As estranhezas deste mundo não se ficam por aqui. Quem criou este sistema (Love Star) criou também a Love Death, um sistema em que os mortos são atirados em pequenos foguetões e se tornam pequenas estrelas cadentes ao entrar na atmosfera – agora os mortos podem literalmente ir para o céu. Se o sistema era, de início, bastante caro, com a sua expansão fica mais barato do que um enterro normal e os terrenos podem agora ser usados para outro fim que não um cemitério.

« Sentaram-se todos em colinas e rochedos ou deitaram-se de costas no tapete macio de musgo. Sigriour fungou e Idrioi, atrás dela, abraçou-a. Às 23h18, a bisavó de Sigriour iniciou a sua descida à Terra. Nesse preciso momento, em coordenadas predefinidas no céu, a gravidade exerceu a sua acção e ela caiu, segundo a lei de Newton, com uma certa aceleração até que uma faixa comprida e brilhante de fogo branco surgiu na escuridão silenciosa entre as estrelas.»

Não é só a morte que é reinventada pela Love Star – mas também o amor. Num sistema denominado inLove são analisadas as ondas cerebrais de cada ser humano e identificada a sua alma gémea, um processo com grande sucesso que se mostra infalível, mas que a médio prazo se mostra como desmotivador da economia – as pessoas que já encontraram a sua alma gémea não realizam constantes aquisições.

E, havendo clones, porque não reinventar a educação? Se uma criança cresce mal educada e maldosa, porque não devolvê-la à precedência e pedir um clone que possa ser educado de diferente forma? E já agora, cria-se essa criança à sombra de uma segunda devolução se não se portar perfeitamente. Foi o que aconteceu com Idrioi, uma das personagens principais deste livro.

Neste mundo desenhado à medida dos sonhos mais ambiciosos, cada ser humano é empurrado no caminho da perfeição e da sua menor decisão, sem descurar, claro, o consumo, por forma a se enquadrar na sociedade. E o que acontece a quem não tem uma confiança extrema na tecnologia e deseja tomar as suas próprias decisões? Rapidamente tudo se torna difícil, quase impossível.

Love Star é um livro estranho onde se nos apresenta uma distopia fascinante que difere da opressão e perfeição usuais. Não existe militarismo, nem extrema arrumação, existe antes a criação de necessidade através do encaixe social e a manipulação de todos os contactos de uma pessoa para a convencer a seguir um determinado curso (os melhores amigos podem ser informadores ou vendedores de produtos, convencendo a ver determinado filme ou a comer determinado prato). Existe, sobretudo, uma vontade de querer melhorar a vida dos seres humanos, mas sem a compreensão de que cada um tem necessidades diferentes.