A review by j_elphaba
Crónica de una muerte anunciada by Gabriel García Márquez

4.0

3.5 Estrelas.

Opinião completa em: http://historiasdeelphaba.blogspot.pt/2014/05/cronica-de-una-muerte-anunciada-gabriel.html

Fiquei triste quando soube da morte de Gabriel García Márquez.
Tinha agendada a leitura desta sua obra para dez dias após a data do seu falecimento – obrigatória para a faculdade – e, mais uma vez, com muita pena minha, dei por mim a conhecer um grande nome da literatura universal e, para além disso, um pensador e ensaísta louvável, já depois de o ver partir. São questões que influenciam o meu folhear e apeteceu-me guardá-lo para outra altura. Não era viável.

Assim, com o coincidente título Crónica de una muerte anunciada, iniciei esta pequena narrativa que destaca o seu final logo nas primeiras linhas, trabalhando-o, exaustivamente, até à visualização do fatídico momento em que o protagonista perde dramaticamente a vida.
Relativamente ao enredo, são uma morte, um casamento e a voz de um povo que constroem este texto, que, ao contrário de procurar oferecer uma grande história, nos expõe a possibilidade de reflectir sobre os valores e índoles de uma forma profunda e merecedora de uma análise ao mais ínfimo pormenor.

Dividido em cinco partes, este livro começa então por nos apresentar aquele que tem a sua morte anunciada em todo o povoado de Manaure, Santiago Nasal. Alguém distante de prever a fatalidade que o aguarda, conhecemos este jovem como um espelho de boa-disposição, querido pelos que lhe são próximos e destacando-se pelos seus sonhos raros que, segundo sua mãe Plácida Linera, são livres de agouros – erro que carregará consigo até ao fim dos seus dias.

Igualmente destacáveis são as personagens Ángela Vicario e Bayardo San Román, dadas a ver com maior cuidado na segunda parte da narrativa. Ela é uma jovem que se vê contrariada rumo ao matrimónio com o segundo e, para piorar a situação, com a sua virgindade perdida. A noite de núpcias de ambos é o primeiro passo para o pronúncio que agita o povo e dita o afastamento daquela que poderia ser uma boda rica e abençoada.
Destes dois intervenientes, Bayardo foi de quem mais me compadeci ao ver lograda a sua ambição de casar, através de uma mentira alimentada por parte da mais filha mais nova da família Vicario. Já Ángela, vejo-a como uma espécie de Eva, a causa de todos os males apesar dos gestos honestos que, num momento crucial, acaba por revelar.

Exceptuando as três personagens que citei anteriormente, só os gémeos Vicario que limpam a honra da irmã, embora o seu perfil os contrarie, são – entre os mais de quarenta intervenientes –, destacados, revelando uma contradição a si próprios no momento alto da história, sucessivamente predestinado. Eles são, também, um bom exemplo de perfil geral das figuras presentes, imprevisíveis no presságio dos seus actos, deixando antever a repetição de um retrato geral traçado de forma linear durante todo o livro. (Não quero com isto dizer que todas as personagens não sejam fundamentais, porque efectivamente qualquer uma delas poderia ter sido.)

Como disse anteriormente, este é um texto sobre a natureza, sobre a sua capacidade de saber antecipadamente algo que repudia mas que, por um outro motivo, é incapaz de evitar. É interessante ver as diferentes perspectivas, as diferentes realidades de uma informação transformarem-se em algo mutável consoante aquele que a possui. Ver o quão pobre pode ser a humanidade que, impávida, se recusa a contrariar-se por aquilo que considera mais correcto. No final, a imagem que fica é muito crua, deixa de lado os disfarces e desvaloriza arrependimentos, pondo a nu um lado sombrio das figuras representadas em geral, como de uma amostra se tratassem humana.

Uma das características mais acentuadas do texto, e que define a escrita Márquez e o seu género de eleição, tem que ver com o misticismo e simbolismo constantes presentes na narrativa, que lhe conferem um lugar de destaque no realismo-mágico. Desta feita, embora esta seja considerada a obra mais “real” do autor, por ser baseada em algo verídico e ter vários pontos de ligação com a sua terra natal, são notáveis vários fragmentos inexplicáveis e elementos contraditórios que confundem o leitor numa primeira leitura e só se tornam evidentes depois de a história ser pensada no seu todo.