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A review by nzagalo
Ensaio sobre a Cegueira by José Saramago
5.0
Os "Ensaios" de Saramago, apesar de serem apenas dois em título, são pelo menos três, se não mais. Temos este primeiro “Ensaio da Cegueira” (1995) e o segundo, “Ensaio da Lucidez” (2004) aos quais podemos juntar “As Intermitências da Morte” (2005), que formam uma espécie de trilogia fantástico-experimental de crítica social. É verdade que os dois Ensaios, em título, se referem mais concretamente à crítica política, e existe uma declarada ligação entre ambos, mas em termos estruturais e de abordagem parabólica, “Intermitências…” segue em toda a linha, e surge mesmo como uma espécie de derradeiro grito do autor. Primeiro ficaram sem visão, para poderem começar a ver. Depois ficaram sem governo, para se tornarem conscientes do que são. Por fim, ficaram sem morte, para compreenderem que o mundo não acaba só porque morremos. Em cada um destes ensaios, Saramago lança um mote colectivo, uma altercação de fundo social, e depois senta-se a imaginar e a brincar com os seus potenciais efeitos, entregando-nos no final o resultado na forma de livro.
Dos três, este primeiro é sem dúvida o mais elaborado, não apenas pela estrutura e premissa fortes, mas pelo rasgo da escrita, direta e simples, mas imensamente profunda. Do que já li seu, só consegui encontrar descrições com esta intensidade no “Memorial do Convento”. Foram vários os momentos de grande visceralidade, diga-se que pouco atenuados pelo filme que tinha visto há alguns anos, sendo que para mim o momento mais marcante, tendo-me tocado a pele, aconteceu quando as três mulheres se lavavam na varanda do prédio com água da chuva. Que cena magnificente, depois de tudo o que aqueles corpos tinham sofrido, a água caída do céu, parecia cair tal qual um ato de total purificação.
Por outro lado, julgo que em parte por Saramago ter ousado levar o horror tão longe, criou um thriller denso e sufocante. As constantes ações novas a exigir a nossa atenção, a chamar-nos para continuar a ler, com o suspense contínuo, preso a cada a linha, fazendo-nos sentir mal, sempre que não podemos pegar no livro e ler, ler. Numa entrevista Saramago disse:
"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."
Tudo verdade. Se é o seu livro mais citado, não deve nada ao filme, a sua força é tremenda.
Dos três, este primeiro é sem dúvida o mais elaborado, não apenas pela estrutura e premissa fortes, mas pelo rasgo da escrita, direta e simples, mas imensamente profunda. Do que já li seu, só consegui encontrar descrições com esta intensidade no “Memorial do Convento”. Foram vários os momentos de grande visceralidade, diga-se que pouco atenuados pelo filme que tinha visto há alguns anos, sendo que para mim o momento mais marcante, tendo-me tocado a pele, aconteceu quando as três mulheres se lavavam na varanda do prédio com água da chuva. Que cena magnificente, depois de tudo o que aqueles corpos tinham sofrido, a água caída do céu, parecia cair tal qual um ato de total purificação.
Por outro lado, julgo que em parte por Saramago ter ousado levar o horror tão longe, criou um thriller denso e sufocante. As constantes ações novas a exigir a nossa atenção, a chamar-nos para continuar a ler, com o suspense contínuo, preso a cada a linha, fazendo-nos sentir mal, sempre que não podemos pegar no livro e ler, ler. Numa entrevista Saramago disse:
"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."
Tudo verdade. Se é o seu livro mais citado, não deve nada ao filme, a sua força é tremenda.