A review by adrianascarpin
O prazer censurado: Clitóris e pensamento by Catherine Malabou, Catherine Malabou

5.0

Amei esse, falar da sexualidade envolvendo o clitóris sobre o viés da filosofia foi extraordinário, além do mais saí com mais uma lista de livros citados pra ler. O capítulo final foi a cereja do orgasmo.

"A cumplicidade entre clitóris e anarquia deve-se antes a seu destino comum de passageiros clandestinos, a sua existência secreta, escondida, desconhecida. O clitóris por muito tempo foi também considerado um estorvo, um órgão supérfluo, inútil, zombador da ordem anatômica, política e social por sua independência libertária, sua dinâmica de prazer separado de qualquer princípio e de qualquer objetivo. Um clitóris não se governa. Apesar das tentativas de lhe encontrar senhores – autoridade patriarcal, ditame psicanalítico, imperativos morais, peso dos costumes, carga da ancestralidade –, ele resiste. Resiste à dominação pelo fato mesmo de sua indiferença ao poder e à potência.
A potência não é nada sem sua efetuação, seu exercício, como o atesta a aplicação de uma lei, de um decreto, de uma portaria ou mesmo de um conselho. A potência está sempre à espera de sua atualização. Atos, princípios, leis, decretos, por sua vez, dependem da docilidade e boa vontade de seus executores. Ato e potência tecem a tela inextricável da subordinação. O clitóris não está precisamente nem em potência nem em ato. Não é essa virtualidade imatura à espera da atualidade vaginal. Tampouco se dobra ao modelo da ereção e da detumescência. O clitóris interrompe a lógica do comando e da obediência. Não dirige. E por isso perturba.
A emancipação precisa encontrar o ponto de inflexão em que o poder e a dominação se subvertam a si mesmos. A noção de autossubversão é uma das noções determinantes do pensamento anarquista. A dominação não pode ser derrubada somente de fora. Ela tem sua linha de fratura interna, prelúdio a sua possível ruína. Toda instância que se mostra indiferente ao par ato-potência exacerba os sistemas de dominação e em consequência revela suas fissuras íntimas. O clitóris se introduz na intimidade da potência – normativa, ideológica – para revelar a pane que sem cessar a ameaça.
No meu entender, clitóris, anarquia e feminino estão indissoluvelmente ligados, formam uma frente de resistência consciente das derivas autoritárias da própria resistência. A derrota da dominação é um dos maiores desafios de nossa época. O feminismo é evidentemente uma das figuras mais vivas desse desafio, ponta de lança muito exposta porque precisamente sem arkhé."