A review by andrepithon
City of Saints and Madmen by Jeff VanderMeer

3.0

Bingo de Fantasia/Sci-fi 2023
5.2: Costal/Ilhas
Modo difícil: O livro possui navegação

3.5

O "Novo Estranho" é um movimento literário inglês encabeçado principalmente por China Miéville e Jeff VenderMeer. Com China já sou familiarizado, arrastado até suas obras peculiares por influência de Disco Elysium (que alias é meu novo objeto de estudo em IC) e, sim, elas são estranhas, cheias de elementos bizarros, com escolhas peculiares de ambientação e caracterização. Mas sua estrutura é convencional, novelas que obedecem o formato de uma novela. City of Saints and Madmen é uma obra insana.

Ambergris é a protagonista da obra, e Ambergris é uma cidade, enlouquecida e enlouquecedora. Pequenas histórias se entrelaçam para cada vez mais revelar como tal objeto veio a se formar. Em minha seção preferida, "The early history of the City of Ambergris", é contada a fundação da cidade com uma prosa historiográfica, com narrativa quase de não-ficção, na qual o historiador ficcional briga e tenta retrucar outros historiadores ficcionais. É fascinante, a história é excelente, o trabalho de worldbuilding e de humor é fenomenal, as notas de rodapé são maiores que o capítulo e deliciosamente mesquinhas e intrigantes. Se o livro fosse somente essa passagem, levava um quatro e meio fácil, pendendo para o cinco.

A cidade em si balança o surreal, o lovecraftiano, o incompreensível e o hiper-violento, como fica bem exposto no primeiro conto, "Dradin in Love", que habilidosamente introduz a cidade, com uma prosa decadente hiper-romântica que nos afunda no sofrimento e na loucura, indo e vindo no tempo, e explorando a situação deplorável do protagonista enquanto ele se apaixona por uma mulher vista através da vidraça de uma livraria, a qual provavelmente não existe. É estranho, como o movimento manda.

Um parênteses, Ambergris é a cidade de fantasia mais bem realizada que li em muito tempo. Muitas vezes cidades são normal e mundanas, até nos mais insanos altos conceitos. A loucura está presente nos personagens, mas ela provém de Ambergris, de seu delta, de seu subterrâneo conquistado por uma civilização de fungos, de seus festivais sanguinolentos, de suas ruas e livrarias que se tornam cada vez mais fincadas na mente do leitor conforme se lê, pendendo cada vez mais rumo à realidade.

Até tal ponto, pareço estar descrevendo um livro maravilhoso. E ele é, por vezes, beirando o genial, balançando entre o caos desse mosaico de experiências. Só que, indulgente, VenderMeer não demora para desabar de seu experimento literário.

A partir da metade, City of Saints and Mandmen torna-se indulgente e pretensioso, o que eu normalmente adoro, mas vai longe demais. Um conto fala de um prisioneiro em um asilo que acredita que escreveu esse livro, vivendo em Ambergris, e está certo da existência do mundo real, citando passagens das histórias anteriores. Outro, mescla narrativa com crítica de arte, construindo algo estranhamente passável, mas que não se destaca em nenhum dos dois. Uma terceira história gasta quase uma centena de páginas explicando a biologia do Rei Polvo, o grande animal símbolo de Ambergris e suas peculiaridades, entrando em profundas discussões técnicas entre biólogos marinhos que não existem sobre um animal que não existe. Funcionou para história, mas tentar aplicar o mesmo em biologia é ir longe demais, e pior, é ser redundante em sua obra experimental bizarra.

No fim, Jeff VanderMeer é indubitavalmente mais estranho que China Miéville, pois ele ousa distorcer não só seu universo, mas o método pelo qual conta sobre ele. Em momentos funciona, em momentos é um fracasso completo. Uma experiência bizarra, que teria sido muito melhor se eu parasse na metade das quase 600 páginas, antes que a indulgência fosse um passo longe demais.

O primeiro apêndice foi um lufar de ar fresco delicioso e intrigante. O centésimo foi cansativo e, o maior crime, já esperado, não mais estranho.