A review by stephmostav
House of the Sleeping Beauties and Other Stories by Yasunari Kawabata

3.0

[TW: Pedofilia, misoginia]

Esta é uma novela desconfortável, para dizer o mínimo. Ao menos esse desconforto é intencional e nesse aspecto associo em parte ao mesmo sentimento que tive com Lolita. Nos dois livros, existem meninas sendo abusadas por homens muito mais velhos que elas e um ponto de vista não confiável que busca suavizar esse abuso por trás de lirismo para manipular a opinião do leitor. A tal casa das belas adormecidas nada mais é do que o local onde homens já impotentes sexualmente (um requisito importante, já que o sexo é proibido na casa) podem dormir com meninas, sempre virgens, sempre nuas e sempre desacordadas, em estado de total vulnerabilidade. Acompanhamos uma narrativa em terceira pessoa, mas focada unicamente nos pensamentos e impressões de um único personagem, o velho Eguchi. De início, ele não sabe o motivo pelo qual decide passar por essa experiência, recomendada por um amigo, mas compreendemos que sua motivação também é um dos temas do livro. Ou melhor, suas motivações. Ele, conforme percebe, quer um alívio para sua decrepitude física, sua impotência sexual, sua solidão, sua decadência moral, sua proximidade com a morte. A juventude dessas meninas indefesas é a maneira com que os velhos, que o protagonista reconhece como perversos, distraem-se da proximidade do próprio fim, da fragilidade da própria masculinidade e da inconsolável ausência de contato humano. Porém, Eguchi não se reconhece como um dos responsáveis por esses abusos, mesmo que seja bastante cruel com todas as meninas com que dorme, além de aumentar essa crueldade conforme as noites passam. Na verdade, sua decadência moral só se acentua a cada uma das cinco noites que ele passa na casa. Ele também não se reconhece como homem profundamente misógino, que de maneira alguma reconhece mulheres como seres humanos e o estado de sono profundo e total inconsciência das meninas só reforça para ele seu próprio pensamento retrógrado de que mulheres são frágeis e estão a serviço e submissão do desejo masculino. O narrador nunca julga esse tipo de pensamento, apenas repassa adiante as conclusões doentias que Eguchi tira de suas reflexões e lembranças, sempre de contato com mulheres. Sua mãe, suas filhas, sua esposa, suas amantes, ele se recorda de todas, assim como de todo mal que causou a cada uma delas e da influência negativa que exerceu sobre a vida de pessoas que deveriam ser amadas por ele. Minha impressão da narrativa não foi de cumplicidade com relação aos abusos de Eguchi, mas de um nojo por um personagem evidentemente detestável que se reconhece como tal, refletindo sobre a finitude da existência e o erotismo com seres humanos vivos que ele enxerga como "adormecidas como uma morta". Tudo isso é potencializado pela narrativa altamente sensorial de Kawabata (e que me parece característica de várias obras japonesas), com descrições capazes de criar imagens muito nítidas dos ambientes, dos corpos e da natureza, através da visão e do olfato, principalmente.