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saintalia 's review for:
La Morte Amoureuse
by Théophile Gautier
“Eu te amava muito antes de ter te visto, meu caro Romualdo, e te procurei por todos os cantos. Tu eras o meu sonho, eu te notei na igreja no momento fatal e disse, na mesma hora: “É ele!”. Lancei-te um olhar contendo todo o amor que já tive, que tinha e que teria por ti, um olhar que perderia um cardeal na danação dos infernos, que faria um rei se ajoelhar a meus pés diante de toda sua corte. Permaneceste impassível e preferiste o teu Deus a mim.
— Oh! Como invejo esse Deus que amaste e ainda amas mais do que a mim! Desgraçada, desgraçada que sou! Jamais terei o teu coração só para mim, que ressuscitaste com um beijo, a mim, a morta Clarimunda, que por tua causa força as portas do túmulo e vem te consagrar uma vida que ela só retomou para te dar a felicidade!
Todas essas palavras eram entrecortadas por carinhos delirantes que atordoavam meus sentidos e minha razão, a ponto de, para consolá-la, eu não ter receado proferir uma blasfêmia medonha e dizer que a amava tanto quanto a Deus.”
apesar de não muito famoso, “a morta apaixonada” teve inegável influência na figura vampiresca, principalmente da mulher vampira.
Clarimunda, apesar de ser construída como a clássica femme fatale, “a mais bela do mundo”, personificação da perdição, maldosa, misteriosa, profana e lasciva, na visão de Romualdo, e nas interações que tem com ele, no entanto, é uma garota amorosa, afável, vivaz, querida… e é por isso que, enquanto narrador, mesmo que a veja como uma força demoníaca que o afastou de deus, ele ainda admite que a ama.
essa persona de Clarimunda ainda ajuda a construir a narrativa de sagrado vs. profano de Gautier, que é magistralmente exemplificada na bifurcação da personalidade de Romualdo - o cavalheiro e o seminarista. mas acho que essa narrativa é, muito mais, uma forma de representar a dicotomia entre liberdade individual e normas sociais (pauta principal da literatura gótica). isso é falado explicitamente no texto. como sempre, a figura da vampira representa a subversão das expectativas sociais, e Romualdo, a luta entre ela e o que se é esperado, bem representado, por sua vez, pelo abade. esse conflito é GENIALMENTE construído, então, na bifurcação da personalidade do narrador - vivendo como padre o que é socialmente esperado dele e, como cavalheiro, o que realmente quer fazer. Gautier se tornou em 60 páginas um dos meus autores favoritos.
no fim, me afeiçoei muito à Clarimunda, e a devoção dos dois é linda. eu amo romances góticos, essa perdição (muitas vezes tóxica) dentro um do outro, a sensação de estar viva apenas por sentir o amor de quem você ama… aqui isso é altamente presente, e construído lindamente.
o sangue como a materialização do amor entre os dois
(“Bebe! Que meu amor se infiltre em teu corpo pelo meu sangue!”), e daí, a recusa dela de beber o sangue de qualquer outra pessoa - ou seja, a recusa de amar ou ser amada (e assim, viver) por qualquer outro, é peak romantism pra mim, desculpa.
isso fica ainda mais bonito quando se pensa que essa relação pode existir apenas como um delírio onírico, em que ele a amava e desejava tão loucamente que, após sua morte, se pôs doente. e nesse delírio, a briga entre sagrado e profano, expectativas sociais e desejos, faz com que, enquanto padre, ela o assombre… mas o Romualdo cavalheiro, seja ele matéria de sonhos ou não, a mantém viva por puro amor (materializado como sangue).
isso sem mencionar o apelo da negação de um caminho santo pelo amor incontrolável que ele sentia por ela. um amor “tão grande quanto o amor a deus”. kinda fleabag do século xix if you think about it… é lindo demais, é o suprassumo da escrita gótica. entrou pra lista das minhas histórias favoritas da vida, sempre.
— Oh! Como invejo esse Deus que amaste e ainda amas mais do que a mim! Desgraçada, desgraçada que sou! Jamais terei o teu coração só para mim, que ressuscitaste com um beijo, a mim, a morta Clarimunda, que por tua causa força as portas do túmulo e vem te consagrar uma vida que ela só retomou para te dar a felicidade!
Todas essas palavras eram entrecortadas por carinhos delirantes que atordoavam meus sentidos e minha razão, a ponto de, para consolá-la, eu não ter receado proferir uma blasfêmia medonha e dizer que a amava tanto quanto a Deus.”
apesar de não muito famoso, “a morta apaixonada” teve inegável influência na figura vampiresca, principalmente da mulher vampira.
Clarimunda, apesar de ser construída como a clássica femme fatale, “a mais bela do mundo”, personificação da perdição, maldosa, misteriosa, profana e lasciva, na visão de Romualdo, e nas interações que tem com ele, no entanto, é uma garota amorosa, afável, vivaz, querida… e é por isso que, enquanto narrador, mesmo que a veja como uma força demoníaca que o afastou de deus, ele ainda admite que a ama.
essa persona de Clarimunda ainda ajuda a construir a narrativa de sagrado vs. profano de Gautier, que é magistralmente exemplificada na bifurcação da personalidade de Romualdo - o cavalheiro e o seminarista. mas acho que essa narrativa é, muito mais, uma forma de representar a dicotomia entre liberdade individual e normas sociais (pauta principal da literatura gótica). isso é falado explicitamente no texto. como sempre, a figura da vampira representa a subversão das expectativas sociais, e Romualdo, a luta entre ela e o que se é esperado, bem representado, por sua vez, pelo abade. esse conflito é GENIALMENTE construído, então, na bifurcação da personalidade do narrador - vivendo como padre o que é socialmente esperado dele e, como cavalheiro, o que realmente quer fazer. Gautier se tornou em 60 páginas um dos meus autores favoritos.
no fim, me afeiçoei muito à Clarimunda, e a devoção dos dois é linda. eu amo romances góticos, essa perdição (muitas vezes tóxica) dentro um do outro, a sensação de estar viva apenas por sentir o amor de quem você ama… aqui isso é altamente presente, e construído lindamente.
o sangue como a materialização do amor entre os dois
(“Bebe! Que meu amor se infiltre em teu corpo pelo meu sangue!”), e daí, a recusa dela de beber o sangue de qualquer outra pessoa - ou seja, a recusa de amar ou ser amada (e assim, viver) por qualquer outro, é peak romantism pra mim, desculpa.
isso fica ainda mais bonito quando se pensa que essa relação pode existir apenas como um delírio onírico, em que ele a amava e desejava tão loucamente que, após sua morte, se pôs doente. e nesse delírio, a briga entre sagrado e profano, expectativas sociais e desejos, faz com que, enquanto padre, ela o assombre… mas o Romualdo cavalheiro, seja ele matéria de sonhos ou não, a mantém viva por puro amor (materializado como sangue).
isso sem mencionar o apelo da negação de um caminho santo pelo amor incontrolável que ele sentia por ela. um amor “tão grande quanto o amor a deus”. kinda fleabag do século xix if you think about it… é lindo demais, é o suprassumo da escrita gótica. entrou pra lista das minhas histórias favoritas da vida, sempre.