A review by janapbianchi
Limbo by Thiago d'Evecque

4.0

Limbo é uma fantasia sombria escrita por Thiago D’Evecque. Foi publicada pelo autor de maneira independente em 2015, apenas na versão digital, pela plataforma KDP da Amazon (até o momento dessa resenha).

Conheci Limbo através de um contato do próprio autor com o Clube de Autores de Fantasia. E, no momento que que vi a capa, li a sinopse e conversei melhor com o Thiago, já criei altas expectativas: além do plot ser muito promissor, o cuidado com a obra — que é independente, mas tem cara de livro de editora do início ao fim — já inspira a disposição do autor de investir no projeto. E isso, pra mim, é um ótimo sinal e um diferencial.
E, felizmente, posso dizer que minhas expectativas não foram frustradas.

Pra começar, o livro é extremamente bem escrito. Dá pra ver que o Thiago é um escritor experimentado, mesmo que essa seja sua primeira publicação (o que me leva a perguntar por que não temos mais coisas publicadas por aí, ou notícias sobre próximas publicações). As descrições são na medida, o vocabulário é rico (mas não rebuscado a ponto de ser chato) e o ritmo é muito agradável.

Aliás, o ritmo do livro é uma das coisas que o torna muito peculiar: acompanhamos uma história completamente linear, composta por etapas que — embora interligadas — não interferem uma nas outras. De certo modo, Não tinha feito essa associação a princípio, mas ouvi outras opiniões sobre o livro e concordo plenamente com quem afirma que o livro tem jeitão de jogo e video game: vamos, através do ponto de vista do protagonista, avançando fase a fase da história.

Falando na história, ela é bastante peculiar também. Acompanhamos o protagonista — uma alma anônima despertada de seu descanso supostamente eterno no Limbo — durante a saga para cumprimento de uma missão: arrebanhar 12 almas específicas que retornarão à terra para salvar a humanidade, que está se destruindo.

Assim, enquanto vai recobrando a consciência e as lembranças dos acontecimentos prévios ao seu adormecimento, vemos o personagem principal buscando no Limbo a alma de humanos notáveis, cada qual por sua principal virtude em vida — virtudes que, disseminadas e aplicadas entre os humanos, deverão ajudar na salvação da humanidade.

As almas escolhidas viveram na terra (ou em suas contrapartidas celestiais, no caso de algumas divindades) em diferentes épocas e regiões do mundo. Capítulo a capítulo, acompanhamos a abordagem do protaginsta a Azazel (um anjo ferreiro), Tomoe Gozen (uma guerreira japonesa), Roland (paladino lendário), Sherazade (rainha persa conhecida por seu podem de contar histórias), Finn Mac Cumhail (guerreiro mitológico irlandês), Os Oito Imortais Chineses (figuras mitológicas chinesas), Baldur (deus nórdico), Eleos (divindade grega), Tabadiku (rei mitológico indonésio), Oshun (oxirá do amor) e Artur (o famoso rei celta). O que achei bem legal nesse tipo de formato do enredo é que cada capítulo ganhou atmosfera própria à medida que os cenários descritos pelo autor correspondem à pré-existência da alma — logo no início do livro, o autor explica que o Limbo assume, para cada alma, a aparência que determinada alma esperava para sua além-vida. E isso, além de ser super divertido, acentua ainda mais aquela ideia de fase de jogo de video game.

Ah, vale dizer que todos os personagens são muito bem construídos. Embora baseados quase todos em personagens já existentes no imaginário popular (inclusive o protagonista, que acaba descobrindo/revelando sua identidade em uma reviravolta nada previsível), Thiago inseriu vários aspectos e características novas para cada um deles, o que me deixou com aquele gostinho (que eu acho bom) de “até onde isso já existe ou é novo?”. O personagem mais divertido, apesar de ser o mais odiável, é Cacá, um espírito de um antigo deus (referências mil) que está preso à espada que Azazel forja para o protagonista logo no começo da história.

Outra coisa que me divertiu demais no livro foi o alívio cômico. O livro, em si, tem um tom bem reflexivo, um tanto filosófico, à medida que as virtudes procuradas em cada um dos 12 guerreiros são destrinchadas em textos de se fazer pensar. Porém, o humor está sempre presente no livro, o que faz com que o teor principal da história esteja bem longe de ser enfadonho. Assim, enquanto em uma página você lê trechos lindos como “Porque nomes têm poder, e eu tirei o dele. Dar nome é dar vida” e “Alguém que sobreviveu por mil e uma noites usando a voz que contou histórias até derreter um bloco de rancor para chover amor” e se depara com construções cuidadosas como “Chuva não passa de uma figura passageira, uma vírgula no livro sempre sendo escrito sobre o sol” e “O tempo, por não saber fazer outa coisa, passou”, você também encontra trechos como “O Ancião, em uma fúria de osteoporose, veio deslizando pelo chão e me aplicou uma rasteira” e “Era magro e bem alto, com mais de dois metros de altura. E tinha cara de bunda. Não sei como descrevê-lo melhor”. Confesso que ri alto em alguns momentos... Hehehe...

Ah, uma outra coisa super legal do Limbo é uma coisa que o próprio Thiago comenta nas notas finais: o livro é cheio de referências do que o autor gosta. Eu nunca joguei muito video game, então eu acredito que deixei muita referência passar. Porém, fiquei com aquele sorriso besta no rosto ao me deparar com coisas como “E você veio atrás de um bastardo? Bastardos não sabem de nada” e “’Rei Bambu? Aquele vil selvagem foi um rei?’ ‘Sim’. ‘E o bambu?’”.

Em resumo, Limbo é uma leitura muito divertida e muito bem escrita.

O principal defeito do livro, pra mim, é na realidade um ponto positivo: fiquei com vontade de saber mais sobre o enredo, antes e depois do ponto no qual se inicia a história. Fiquei com vontade de conhecer mais o passado do protagonista depois que sua identidade é revelada e, principalmente, fiquei com MUITA vontade de ter vislumbres de como atuaram as almas enviadas para a terra. Daria tudo pra ler a história das doze almas reencarnando em crianças ao redor do mundo e depois crescendo para agirem, cada qual de seu modo, na mudança do mundo. Thiago, fica a dica. :D
Por fim, recomendo a todo mundo a leitura das notas ao final do livro, onde Thiago — de uma maneira muito bem humorada — comenta sobre seu processo criativo e apresenta pequenos apêndices sobre cada personagem que compõe a história.

Tenho certeza que ainda vamos escutar falar do Thiago por aí. E, ouso arriscar, em papos, reportagens e entrevistas cheios de elogios e gargalhadas.