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emmieedwards 's review for:

4.0
adventurous challenging reflective medium-paced

"Macunaíma: o herói sem nenhum caráter" é uma obra prima e uma das piores leituras para se fazer.
Segundo eu mesma.
Com uma opinião tendo 10 anos de diferença da outra.

A primeira vez que entrei em contato com o livro foi aos 15 anos, do jeito que a maioria dos jovens entram em contato com os clássicos brasileiros: com a lista de leituras obrigatória para o vestibular empoleirada no nosso ombro. (E, claro, naquele semestre também teríamos uma prova do Ensino Médio sobre o livro.)
Para alguém como eu, que já tinha o hábito da leitura, foi um suplício. Eu odiei mesmo cada minuto dela, cada coisa sobre ela, com cada pedacinho do meu ser adolescente. 

"Que história sem pé, nem cabeça.", "Uma hora é um carro, outra hora é uma onça e como assim menina subiu num cipó e foi pro céu." e também "Mário de Andrade use uma vírgula, eu te imploro." foram coisas que me lembro de pensar na época.
Também lembro que de uns 33 alunos na sala, ninguém aproveitou a leitura e nem mesmo conseguiu entender o que ela propunha.
Quem já achava os clássicos uma barreira para o caminho dos livros, também não conseguiu passar dos primeiros capítulos.

10 anos depois, na faculdade de Letras me deparo com um dos meus maiores horrores: ter quer ler "Macunaíma" de novo.

Para minha surpresa, a história já me cativa no primeiro capítulo. Fico ansiosa pelas horas que vou ter um intervalo para ler o próximo e o próximo e o próximo. Para minha surpresa, a maior parte (não tudo rs) agora faz muito sentido. Bem aquilo de "Tava na cara o tempo todo e eu não vi!". Para minha surpresa, eu me encontro com raiva de novo, sim, mas também rindo com as presepadas do "herói".

A obra conta a jornada de Macunaíma, um indígena muito do esperto e controverso desde pequeno, e seus irmãos Maanape e Jiguê. Cada capítulo é um episódio das suas peripécias do momento em que nasce até sua morte. O arco principal se desenvolve pela busca da muiraquitã, a pedra preciosa que é lembrança da amada de Macunaíma que morreu e virou estrela. Nessa busca o protagonista e seus irmãos vão até São Paulo e acabam trombando com as diferenças do ambiente urbano enquanto tentam dobrar o Venceslau Pietro Pietra e recuperar a pedra.

O livro é repleto de alegorias culturais e folclóricas, quase como uma antologia de contos sobre Macunaíma e lendas conhecidas e outras esquecidas. Com listagem extensas de vocábulos indígenas, regionais e outros relacionados a rica fauna e flora do país, o autor escolher justamente o herói sem caráter para nos apresentar todo esse "mundo" que é tão nosso e não é nosso ao mesmo tempo, definitivamente é uma escolha interessante. Macunaíma não é um herói sem caráter só no quesito moral (embora ele não tenha nenhuma mesmo), mas é um herói que ao tentar refletir (involuntariamente) nossa identidade cultural e tradicional de povo acaba refletindo um nada. Ele é um exemplo de nossa gente ao mesmo tempo que não é, porque nunca chegamos a ser uma unidade real de fato. Com um país de dimensões continentais, repleto de variações linguísticas e culturais e um ecossistema riquíssimo, somos "um" que não somos.

E essa é a beleza do texto de Mário de Andrade: fazer o povo brasileiro se enxergar num único herói que nem ele mesmo é apenas um. Ele é grande e pequeno. É indígena e branco. É imoral ao mesmo tempo que defende certos valores. É o coloquial e o formal.

É uma bagunça. De certa forma organizada.

10 anos atrás, nem me passaria pela cabeça recomendar esse livro. 
10 anos depois, acho que é um livro que todos brasileiros devem ler pelo menos duas vezes na vida.
Uma com raiva e confusão. Outra com esclarecimento e entendimento (tá bom ainda resta um pouquinho de raiva rs).
Acredito que quanto mais vamos amadurecendo e nos identificando com a nossa própria falta de identidade, esse livro vai fazendo sentido, revelando seus segredos, exibindo sua beleza.

Não foi feito para ser bonito e, por isso, é.

⭐ - 4/5

(Ainda acho um absurdo fazer pessoas de 15 anos lerem "Macunaíma" por pura obrigação. Além da dificuldade de entrar no texto, a agressão e abusos explícitos são fortes demais para serem expostos sem uma resposabilidade do educador de abordar e discutir o assunto.)