A review by jiangslore
In the Dream House by Carmen Maria Machado

challenging emotional informative reflective sad tense medium-paced

5.0

[5/5] 

Avaliar autobiografias é muito diferente de avaliar ficção. A ficção, por ser uma obra que parte da imaginação e criatividade de seu autor, pode ser avaliada com relação a vários aspectos diferentes, tais como personagens, enredo e construção de mundo. A autobiografia, por outro lado, não pode ser avaliada nesses termos: não é possível esperar que pessoas reais sejam desenvolvidas como personagens fictícios, que uma história real seja narrada com o cuidado usado para elaborar uma situação fictícia, ou que exista uma construção de um mundo (pois ele já existe). Nesse contexto, acredito que o foco da análise de uma autobiografia deve ser a forma que os fatos são narrados — tanto na escrita quanto na coerência da obra.

O que eu disse no parágrafo anterior, até certo ponto, também foi dito por mim em outras resenhas de livros autobiográficos. Mas acredito que é importante ressaltar essas diferenças novamente porque 1) contextualizar sempre é bom e 2) “In The Dream House” é um livro que não só demonstra perfeitamente essas diferenças como também testa os seus limites de um modo que me impressionou muito.

Em “In The Dream House”, a autora utiliza alguns instrumentos da ficção. As referências que são feitas à “casa dos sonhos” e à “mulher na casa dos sonhos”, por exemplo, quase transforma um local e uma pessoa em entidades. Imagino que a razão inicial para isso foi não divulgar a identidade da abusadora — o que poderia gerar diversos problemas para a autora —, mas a execução transformou essa escolha em algo muito mais relevante.

Mas o interessante é que essa “transformação” não diminuiu o impacto das experiências narradas pela autora. A narração continua sendo poderosamente pessoal. Há momentos que, para pessoas que possuem algum conhecimento prévio sobre relacionamentos abusivos, serão considerados como pontos já esperados na obra. Mas há, também, situações particulares que ela enfrentou e que eu não esperava ver escritas da forma que foram; e ver tudo isso é muito interessante e revelador.

E, além do aspecto pessoal, a autora fala sobre questões que são muito importantes para a comunidade LGBTQIA+, especialmente para as mulheres sáficas — e, mais especialmente ainda, para as lésbicas. Apesar de uma análise profunda da comunidade não ser o foco principal do livro, acho que os casos e pesquisas apresentados pela a autora foram muito úteis para demonstrar como há certas instituições que afetam os seres humanos independentemente de sua sexualidade; simplesmente porque nós fomos criados de acordo com elas.

Entre essas instituições, há a “casa”, como representante da família e da segurança. Há o significado que pessoas LGBTQIA+ colocam em suas casas e a importância do espaço privado para pessoas que ainda sofrem demais com ataques aos seus direitos em espaços públicos. E, por fim, há a destruição desse espaço por alguém que deveria (em tese) entender a sua relevância, porque é alguém que deveria colocar nesse local a mesma importância que a vítima atribui a ele.

Claro, isso é só uma simplificação. Mas, mesmo em linhas gerais, acredito que dá para perceber os níveis diferentes de violação e, consequentemente, os níveis diferentes em que isso pode afetar a vítima. E, por isso tudo, “In The Dream House” não é uma leitura fácil. Mas é maravilhosa. A força da Carmen em transformar algo tão difícil para ela em um livro tão honesto e lindamente escrito e construído é algo realmente admirável. 

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