A review by guevarinhah13
Quarto de Despejo by Carolina Maria de Jesus

5.0

nem os erros gramaticais (que para alguns conquista um prémio Nobel) nem o seu total apagamento total da história devem desmotivar a leitura de QUARTO DE DESPEJO. Carolina Maria de Jesus era uma mulher negra e pobre, catava papel e outros recicláveis para sobreviver e manter os seus três filhos sozinha, negava o amor por homens e residia na favela do Canindé em São Paulo. apesar da vida sofrida, do trabalho intenso, e da solidão depressiva, Carolina conseguiu escrever o que, a meu ver, é não apenas uma grande obra da literatura brasileira, como um livro a ser exaltado como canónico no mundo atual, isto pela simples razão de dar raiva, que depois cede lugar ao ódio. os sentimentos que surgem ao ler o relato da vida de Carolina, e o conhecimento de que nada mudou desde a sua publicação (1960) até a atualidade, é uma experiência libertadora. muitas vezes pregamos o amor ao próximo, mas raramente percebemos o quão perto de nós a realidade do próximo está. é real e é humano, todo o sofrimento de Carolina, mas toda a sua alegria, mais escassa que seja. QUARTO DE DESPEJO vai além de nos provocar a reflexão sobre o mundo decadente e podre em que vivemos, mas também o nosso papel na construção deste, e exige de nós a ação necessária para que mais Carolinas no mundo possam assumir a escrita e o canto e a dança como ofício.

"...Quando eu era menina o meu sonho era ser homem para defender o Brasil porque eu lia a Historia do Brasil e ficava sabendo que existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensores da patria. Então eu dizia para a minha mãe:
- Porque a senhora não faz eu virar homem?
Ela dizia:
- Se você passar por debaixo do arco-íris você vira homem.
Quando o arco-iris surgia eu ia correndo na sua direção. Mas o arco-íris estava sempre distanciando. Igual os politicos distante do povo. Eu cançava e sentava. Depois começava a chorar. Mas o povo não deve cançar. Não deve chorar. Deve lutar para melhorar o Brasil para os nossos filhos não sofrer o que estamos sofrendo. Eu voltava e dizia para mamãe:
- O arco-iris foge de mim."