A review by markbossuet
Abandonar um Gato:o que falo quando falo do meu pai by Haruki Murakami

5.0

Venho pensando muito sobre essa leitura desde quando a comecei. É uma leitura para poucos e mesmo assim necessária a muitos. Haruki Murakami se propõe a escrever suas memórias sobre seu pai em um ato quase desesperado de encontrar respostas e conforto em suas memórias, o que, ao finalizar esse curto texto, não foi concluído. O autor nos entrega em poucas palavras uma grandiosa lição sobre tempo, espaço, memória e sobre perdão. Não existe nada como uma boa reflexão para soterrar algumas dúvidas e criar muitas outras, não é mesmo?

“A história é isso: uma única realidade, inflexível, que prevaleceu entre incontáveis possibilidades. A história não está no passado. Ela existe no interior da nossa consciência, ou do nosso inconsciente, corre como sangue vivo e, querendo ou não, é transmitida para as próximas gerações”

Murakami nasceu em janeiro de 1949, uma época muito diferente da nossa e uma cultura muito diferente da minha. Seu pai, ainda muito mais divergente em cultura, se viu em diversas encruzilhadas do destino, e por sua infelicidade, as decisões não foram tomadas por ele, pelo menos não todas. E é sobre isso o livro, sobre princípio, sobre meio, sobre fim e como todas essas etapas estão conectadas por uma única coisa, a decisão. São pequenos detalhes, são pequenos fragmentos, um completo multiverso da loucura e são esses os mais belos fragmentos, os pingos de uma grande chuva.

Avassaladora e grandiosa. Uma leitura simples assim.

“Passamos a vida olhando fatos que são fruto de mera casualidade como se fossem a única realidade possível. Em outras palavras, cada um de nós não passa de uma entre incontáveis gotas de chuva que caem sobre a vastidão da terra. Gotas únicas, é verdade, mas perfeitamente substituíveis. Ainda assim, cada uma dessas gotas de chuva tem as suas próprias ideias. Cada uma tem sua história e também a obrigação de levar adiante essa história. Não podemos nos esquecer disso. Mesmo que cada gota logo seja absorvida, perca o contorno individual e desapareça como parte de um coletivo maior. Ou melhor: justamente porque vai desaparecer como parte de um coletivo maior.”