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katya_m 's review for:

A Arte da Alegria by Goliarda Sapienza, Goliarda Sapienza
DID NOT FINISH

É verdade que não cheguei ao final de A arte da alegria (a dada altura isto já não foi leitura na diagonal foi só mesmo ir espreitar lá para o fim a ver se tinha perdido alguma coisa (e não tinha)), mas depois de quase 300 páginas acho que é seguro dizer que Goliarda estava a ser irónica quando pensou neste título. O que não seria um problema para mim. Não vinha à procura de um romance estival (como a capa - que raio andam os editores a ler nas entrelinhas dos livros que editam? - leva a crer). Mas este calhamaço é um mal conseguido elogio à lei de Murphy onde tudo o que pode correr mal vai mesmo correr mal, e de forma tão inverosímil que me fez perder a coragem de continuar. E eu tentei continuar. Oh, se tentei!

Obra nascida dos mais de cinquenta anos de vida da autora, A arte da alegria procura ser um texto-manifesto (alerta número um), um romance emancipatório, uma saga da mulher italiana (da sua geração) que luta para forjar o seu destino pelo uso do intelecto, da sensualidade e da violência. Procurando reclamar a alegria que lhe é cerceada rente logo nos primeiros momentos de vida, Modesta principia a ser escrita por Goliarda como um exemplo de mulher moderna - o texto data de '70, e nestas instâncias hiperbólicas acusa um pouco a sua idade -, mas o caminho que toma para lá chegar deixa um trilho de mortos e estropiados tal que faz dela o capo de uma máfia brutal e sem sentido como todas as demais (alerta número dois). Rapidamente, uma personagem que tinha tudo para ser o retrato da mulher livre a exercer o seu poder numa lógica matriarcal, torna-se o espelho da prepotência masculina, mimicando comportamentos daninhos e criminosos para assegurar um domínio feudal desproporcionado numa narrativa que não consegue sustentar a carga dramática que podia fazer desta uma obra de laivos góticos/macabros bastante interessante (alerta número três).
Mas, novamente, isto não seria problema para mim. Ou antes, não sendo do meu agrado, talvez não me fizesse desistir da leitura. No entanto, há problemas estruturais que me incomodam e que evidenciam uma produção pouco maturada (sei como a recusa de publicar esta obra em vida da autora é normalmente imputada à posição machista dos editores perante um texto de caráter feminista, mas, depois da leitura, não sei se não vejo também razões que justifiquem a decisão) - nomeadamente, a aposta em diálogos demasiado literários - leia-se artificiais, rígidos e truncados (que substituem a voz narrativa) para apresentarem constantemente novas personagens e factos; histórias que nos surgem in media res, sem contexto, e sem contexto se evolam; reviravoltas atrás de reviravoltas, coincidências, aparecimentos e desaparecimentos muito convenientes. Mas, sobretudo, há nesta obra uma constante associação entre morte erótica e morte física, sofrimento e prazer carnal, e uma aura de sadismo que me arrepia mais do que muito.
Perante isto, e se em 300 páginas não me identifiquei com qualquer das 100 personagens unidimensionais que Goliarda me apresentou, assumo que estou fora do meu elemento e talvez deva ir procurar fazer amigos para outro sítio. Espero, sinceramente, que na sua vertente autobiográfica a autora tenha mais para me dizer do que isto. De contrário, acho que ficaremos de relações cortadas daí em diante.