A review by el_russo
Os Mágicos by Lev Grossman, Lilah Sturges

2.0

Ser(-se) mágico é, para muitos, um sonho. Daí que livros como os de C.S. Lewis (As Crónicas de Nárnia), T.H. White (O Rei que Foi e um Dia Será) ou J.K. Rowling (Harry Potter) sejam sucessos geracionais intemporais. Lev Grossman, com a sua série “Os Mágicos”, tenta, de forma óbvia, capitalizar um pouco desse vício literário. O primeiro livro da trilogia, homónimo da mesma, foi publicado em 2009 e é o único, até ao momento, editado em português de Portugal, no ano seguinte, pela Planeta.
“Os Mágicos” é um livro ambíguo. Tão ambíguo quanto a necessidade que certos autores e editoras têm de citações de escritores badalados. Veja-se o contributo de George R. R. Martin: “Os Mágicos está para Harry Potter como uma dose de uísque puro malte está para uma xícara de chá”. Em vez de ajudar, uma citação destas tem um efeito manifestamente contrário. Cria expectativas em relação a enredo, construção de personagens, descrição de ambientes e locais, tudo aquilo que uma saga como a de Harry Potter tem, goste-se ou não do tema.
É como se esse mesmo peso passasse para a personagem principal. “Quentin pensou em todas as coisas que deixara por fazer naquele dia: os exercícios de física, o trabalho de história, os e-mails, a louça, a roupa. O peso de tudo sobrecarregava-o, fazendo-o sentir-se muitíssimo pesado”. Quentin Coldwater é todo e cada ser humano que se lança numa cruzada contra a limitação de cada dia, do número finito de horas que possui. É, também, a figura de uma constante insatisfação na procura de um propósito. O próprio Grossman referiu, em entrevista, que a personagem é uma imagem do que já foi: “I used to be Quentin, a long time ago (...) sort of intellectually overdeveloped and emotionally immature”.
Em “Os Mágicos”, se há paralelismo com Harry Potter, ele fica-se por Brakebills, a escola que faz as vezes de Hogwarts, retratada de forma fugaz. Metade de um livro chega para o que J.K. Rowling construiu em oito e mostra que o traçar de uma tangente se dirige muito mais à Nárnia de C.S. Lewis, com a criação de uma Fillory, um mundo encantado descrito ao longo de cinco volumes. A inexistência de regras no mundo mágico de Grossman reflete-se, então, numa dificuldade de descrever tudo o que seja mágico mas não fantástico, relacionado com Fillory.
No livro não é apenas a magia que chama os leitores quem sofre. Sofre também a linguagem, que se quis adulta mas que de tal tem apenas a sua leviandade, dirigida a um público que consome cada vez menos livros mas que pode ser cativado por um cariz mais sexual (“(...) e uma cultura oral rica em palavras obscenas”). Numa prosa irregular, não atendendo a quaisquer pormenores e contribuindo para a confusão do leitor, para lá de metade do livro e depois de todos terem chegado à Terra do Nem, usando o botão mágico, Lev Grossman escreve “A chuva estava a ficar mais pesada” sem que, em momento anterior algum, a acção especificasse que chovia.
Nota ainda para a tradução sofrível, a vários níveis, de Irene e Nuno Daun e Lorena. Desde palavras inexistentes na língua portuguesa à adopção de expressões quase infantis, parte do desencanto que possa existir pelo livro reside aí. Traduzir “They stared at him like he was speaking gibberish.” por “Olharam todos para ele em silêncio, como se o homem estivesse a falar chinamarquês.” é inconcebível na existência de várias alternativas melhores, tais como algaraviada.
“Os Mágicos” não deixa, assim, grande vontade de regressar à trilogia, a não ser por obstinada curiosidade de quem queira descobrir o seu fim, submetendo-se a um árduo caminho.