A review by ensaiosobreodesassossego
Levantado do Chão by José Saramago

5.0

"a tirar cortiça, a ceifar, a podar, a sachar, a limpar, como é que as pessoas se não cansam dessa monotonia, todos os dias iguais uns aos outros, pelo menos na pouca comida, e a ânsia de ganhar um pouco de dinheiro para o dia de amanhã, que é a grande ameaça destes lugares, o dia de amanhã, amanhã também é dia, como foi ontem, em vez de ser alguma esperança, um arzinho que fosse, se viver é isto."

Ora bem, como começar a escrever sobre um livro de Saramago? Não sei. Não sei mesmo. Tudo o que possa escrever, vai com toda a certeza ficar aquém do valor do livro do Mestre.

Numa prosa digna de Saramago, é-nos apresentada a família Mau-Tempo, família de trabalhadores rurais, família digna, sofredora e que serve como exemplo para retratar a exploração sofrida pelos camponeses.
Tendo como pano de fundo a ditadura, o nosso Nobel vai fazendo um retrato bastante fidedigno do que era Portugal no século XX: a fome, a miséria, a opressão.

Neto de camponeses, Saramago conheceu e ouviu muitas estórias da terra. As origens. Sempre as origens. A mesma história, os mesmos poderosos, a mesma opressão.
Sara da Conceição, Domingos Mau-Tempo, Domingos Carranca, Gracinda Mau-Tempo, António Mau-Tempo, Sigismundo Canastro, Manuel Espada, João Mau-Tempo são pessoas que trabalham de sol a sol, que tentam viver, sempre com a esperança (e a ameaça) de um novo dia. E José Adelino dos Santos, assassinado pela PIDE a 23 de Junho de 1958.

Saramago dá voz aos que nunca tiveram voz, dá voz aos oprimidos. Os nomes são estes, mas podiam ser quaisquer outros. Todo um povo representado por três gerações.
Esta é uma homenagem ao Alentejo, uma homenagem aos trabalhadores rurais, uma homenagem ao campo e à vida no campo.

Como todos os outros livros de Saramago, é um livro doloroso de ler e, ao mesmo tempo, é belo e emocionante. Saramago consegue fazer algo muito bonito: transformar a dor em poesia. Absolutamente brilhante, como só Saramago sabe fazer.

"Levantado do Chão" entrou directamente para o meu top 3 de livros de Saramago (desculpem todos os outros!) e é daqueles livros que quero oferecer a toda a gente.

"Não somos homens se desta vez não nos levantarmos do chão" ❤