A review by katya_m
O Décimo Terceiro Conto by Manuela Madureira, Diane Setterfield

Há qualquer coisa nas palavras. Em mãos habilidosas, manipuladas com perícia, elas aprisionam-nos. Enrolam-se em volta dos nossos membros como teias de aranha e quando estamos tão enfeitiçados que não conseguimos mover-nos, perfuram-nos a pele, entram-nos no sangue, entorpecem-nos o pensamento. E uma vez dentro de nós, põem a sua magia a funcionar.

Um livro que fala de livros, palavras, histórias e contadores de histórias, dificilmente desaponta. O Décimo Terceiro Conto oferece tudo isso amalgamado num thriller cheio de mistério que se desenrola num cenário gótico onde a tensão narrativa e os elementos de sobrenatural têm espaço para se desenvolver sem constrangimentos nenhuns.

-Acredita em fantasmas, Margaret?
Se acredito em fantasmas? Que podia eu dizer? Acenei afirmativamente.
Satisfeita, Miss Winter voltou a recostar-se na cadeira e eu senti a impressão de ter desvendado mais do que pensava.
-A Hester não acreditava. Não era científico, percebe. Portanto, não acreditando em fantasmas, teve grandes problemas quando viu um.


E é quando Vida Winter, uma escritora consagrada, conhecida pelas fabulações em que enreda a sua vida, e pelas múltiplas histórias que escreve sobre o seu passado, se decide a contar a verdade sobre quem é, que o mistério se inicia:

Durante toda a minha vida e toda a minha experiência, os acontecimentos que me atingiram, as pessoas que conheci, todas as minhas memórias, sonhos, fantasias, tudo o que li, tudo isso foi acrescentado ao monte de adubo onde, ao longo do tempo, se transformou num composto orgânico, negro e rico. O processo de divisão celular torna-o irreconhecível. Outras pessoas chamam-lhe imaginação. Eu penso nisso como um monte de adubo. De vez em quando, pego numa ideia, planto-a no adubo, e espero. Ela alimenta-se desse composto negro que já foi uma vida, e vai ai buscar a sua energia. Germina. Cria raizes. Produz rebentos. E assim por diante, até que um belo dia eu tenho uma história, ou um romance.

Quem é Vida Winter e o que esconde ela?
Qual é a sua história? Por que a esconde?

Todos temos uma história. É como as famílias. Podemos não saber quem ela é, podemos tê-la perdido, mas ela existe na mesma. Podemos distanciar-nos ou virar-lhe as costas, mas não podemos dizer que a não temos. Acontece o mesmo com as histórias. Portanto - concluiu ela -, todos temos uma história.

Passo a passo, a biógrafa Margaret Lea vai descobrindo um passado negro, macabro e cheio de reviravoltas onde ficção e realidade são difíceis de destrinçar:

Eu sou humana. E como todos os humanos, não me lembro do meu nascimento. Quando acordamos para nós próprios, já somos crianças, e o nosso advento é algo que aconteceu há uma eternidade, no início dos tempos. Vivemos como espectadores que chegam atrasados ao teatro: temos de nos pôr a par o melhor que pudermos, adivinhando o princípio pelo desenrolar dos acontecimentos posteriores.(...)Todas as crianças mitificam o seu nascimento.

A sua missão é a de navegar pelas palavras de uma história que lhe vai sendo contada e desvendada a conta gotas, que se vai revelando a medo depois de uma vida silenciada, sufocando na garganta de Vida Winter:

(...)o silêncio não é um ambiente natural para histórias. Elas precisam de palavras. Sem estas empalidecem, adoecem e morrem. E depois perseguem-nos.

Uma história de morte, de segredos, de reconciliação com o passado e, num fim um bocadinho mais aperaltado do que gosto, recomeços e novas oportunidades.

As pessoas desaparecem quando morrem. A sua voz, o seu riso, o calor do seu bafo. A sua carne. Finalmente os seus ossos. Cessa toda a memória viva deles. E isso é simultâneamente terrível e natural. No entanto, para alguns, há uma excepção a esse aniquilamento. Porque continuam a existir nos livros que escreveram. Podemos redescobri-los. O seu humor, o seu tom de voz, o seu temperamento. Através da palavra escrita, eles podem encolerizar-nos ou fazer-nos felizes. Podem confortar-nos. Podem confundir-nos. Podem modificar-nos. E tudo isso, apesar de estarem mortos. Como moscas em âmbar, os seus corpos petrificados no gelo, aquilo que segundo as leis da natureza deveria fenecer, é preservado pelo milagre da tinta no papel. É uma espécie de magia.

Com uma atmosfera fortemente influenciada pelo romance gótico de século XIX, O Décimo Terceiro Conto é um livro que se lê não sem uma certa atenção - a sua complexidade iguala a dos Heathcliff e Catherines que habitam O Monte dos Vendavais; é impossível, aliás, não fazer permanentemente essa associação ao longo da leitura - é um romance muito bem conseguido dentro do seu estilo, bem pensado, sem pontas soltas ou inconsistências de enredo. As múltiplas referências e inferências a obras de Austen, das Brontë, Henry James, Collins etc só lhe ficam bem e, se eu gostei, quem seja fã do género tem mesmo de adorar.