A review by tullius
The Notebook, the Proof, the Third Lie: Three Novels by Ágota Kristóf

5.0

O que forma a sua identidade? é a sua história, o seu corpo, o lugar de onde você vem, a sua família, a sua língua mãe? talvez essa seja a pergunta central aqui: identidade. cheguei ao livro porque pensei que a o foco dele era sobre imigração e habitar outra língua. é esse o foco, mas muito mais intenso.

o que Ágota apresenta aqui é a história de dois irmãos despedaçados e desintegrados por causa da guerra e pela necessidade de sobreviver a um mundo que se abre e no qual eles não são bem vindos, um mundo no qual eles habitam mas não têm raizes. a partir dai, eles fazem tudo o que precisam pra sobreviver. literalmente tudo. 

eu suspeito que existe uma capacidade de representar o mundo em sua crueza inerente a europeus, especialmente aqueles do leste europeu que tiveram de imigrar pra sobreviver. se estadunidenses tentam apresentar essa crueza ela soa vulgar, até promíscua. mas no livro da Ágota essa crueza é vil, é palpável e muito real. talvez seja pela escrita direta e objetiva, algo aos moldes do que o Hemingway pretendia, com um texto sem adjetivos e apenas o essencial. a linha perfeita. as linhas da Ágota são brutais. a vivência dos garotos é dolorosa, o mundo é arisco, seco, desprovido de amor. a ausência do amor permeia todas as páginas no livro (bem nos primeiros capítulos há um momento em que eles precisam ressignificar o conceito de "amor" pra poderem aguentar a vida que lhes cabe). e por causa dessa abstinência do amor, ou melhor, pela inexistência do amor, o que sobra é ressentimento, solidão, ódio e dor. 

sempre que uma mídia amadurece surgem alguns trabalhos que se propõem a fazer uso de tudo aquilo que ela tem a oferecer. é assim desde que o mundo é mundo. o cinema tem trabalhos como Invenção de Hugo Cabret e Cinema Paradiso, os quadrinhos tem Watchmen, as séries tem Seinfeld e Twin Peaks (se você acreditar que um dos temas é sobre a televisão) e a literatura tem The Notebook, The Proof and The Third Lie. e esses trabalhos são tão inerentemente obras condizentes com todo o potencial da mídia na qual foram criados que tentar adaptar acaba por gerar algumas anomalias (vide Watchmen e Twin Peaks Fire Walk With Me [eu amo esse filme, mas se a gente for analisar longamente ele é só lore, e isso não é um demérito, apenas uma constatação]).

essa história jamais poderia funcionar em outra mídia. apenas as palavras podem expressar o que se apresenta nesses 3 livros. porque, no fim, palavras são traiçoeiras e a verdade não é uma coisa única, definitiva, universal. ela é o que a gente faz dela. contamos as histórias que precisamos pra poder seguir adiante, e as vezes é preciso inventar um monte de palavras e eventos pra que se possa entender o que foi vivido.