A review by andrepithon
Os Transparentes by Ondjaki

3.0

3.5

Preparem-se para minha era de literatura africana. Já tendo me apaixonado para A Sociedade dos Sonhadores Involuntários de Agualusa, e finalmente cursando literaturas africanas de língua portuguesa, eu vou fazer o que nunca faço e ler literalmente todo o currículo de livros listados para o curso. Obras em português provenientes de um contexto extremamente diferente são sempre intrigantes de se consumir. O plano é provavelmente tentar intercalar estes livros com minhas leituras mais tradicionais, terminar o bingo (falta um livro), e talvez ler coisas das outras matérias para elas não se sentirem muito menos importantes. Talvez.

Os Transparentes é um livro angolano que para mim ecoou muito próximo das sensações passadas pelo Cortiço. Um enorme grupo de personagens dividem um mesmo espaço, a narrativa pula de um para o outro de maneira rápida e dinâmica, construindo um mosaico que atravessa camadas sociais e pinta uma sociedade injusta, corrupta, mágica.

Mágica, sim. A transparência titular se concentra no personagem que mais se aproxima do protagonismo, Odonato, que lentamente deixa de comer para sobrar mais aos filhos, e deixa de existir, se desprendendo da realidade e da gravidade, tornando-se transparente e perdendo-se de tudo que o fixa ao mundo, e a Luanda, que é um mundo específico. Mas o interessante é o plural no título, mesmo que só um personagem ativamente cometa o crime de transparecer. Tantos outros, mesmo sólidos, não são vistos, não tem direito de existir, passam como fantasmas ou como indesejados, invisíveis pela pobreza, sendo um dos melhores personagens o Carteiro, revoltadamente buscando requisitar uma motocicleta para o governo, e protagonizando uma das melhores cenas da obra quando coringa maravilhosamente no final.

É um livro engraçado, que brinca com o ridículo e o absurdo, onde cada membro oficial do governo escorre em incompetência e corrupção, onde o comum é por vezes surreal, onde eclipses podem ser cancelados se o presidente mandar, em luto pela morte da maravilhosamente nomeada "Ideologia". Os nomes costumam ser excelentes, mais apelidos que nomes reais, e enchem a obra de personalidade.

Existem dezenas de pontos positivos que eu poderia listar, mas o livro é excelente em abrir linhas narrativas e não realmente o melhor em fechá-las. Ondjaki comete o crime comum de terminar o livro no momento em que as coisas tem uma mudança poderosa de paradigma, e não desenvolver o que isso significa. Uma obra de faíscas, que termina ao explodir. Sobrou-me vontade de observar as ruínas, e o construir de uma narrativa que mescla o mundano com o grandioso fracassa ao abrir mão de uma conclusão maior, de ao menos mais umas 30~50 páginas para amarrar detalhes e arriscar um "e então?"

Pois sim, Angola é corrupta e o povo vive miserável. O governo não é realmente tão legal. Corrupção vai de baixo para cima. Dava pra ter condições melhores. A única coisa que importa é o lucro. Mas e quando tudo isso treme? Há esperança de mudança? Minha leitura é obviamente que não, mas o livro não ousa dar um passo além do comum e entrar no especulativo. Gostaria de entrar mais em específico, que meus grandes problemas com essa obra estão no final, mas costumo não soltar muitos spoilers em minhas reviews do goodreads. Há momentos espetaculares aqui, personagens engraçados, mas falta uma amarração que conclua os temas que o livro se propôs a abordar.

O final não é invisível, fogo vermelho devagarinho.
Fogo que queima, dilacera, e deixa a impressão de que o capítulo vindouro é maior e nos foi negado, sólido e opaco demais.