A review by katya_m
Jane Eyre by Charlotte Brontë

Se me pudessem ver enquanto escrevia esta review teriam visto uma figura diminuta que revolvia os cabelos e mordia a parte de dentro do lábio em busca das palavras certas e justas tanto para Brönte como para si mesma...
Diz a lenda que essas palavras nunca foram encontradas.

Deus e a natureza destinaram-na para mulher de um missionário. Não lhe deram encantos físicos, mas dons morais: é feita para o trabalho, não para amor.

Jane Eyre é um romance com tudo aquilo de que não não preciso num livro se quero gostar dele: uma heroína ingénua, ora afásica ora arrojada, masoquista e com valores religiosos um bocadinho periclitantes; homens prepotentes, misteriosos e violentos que, por qualquer estranho fado não são logo topados como bandidos; melodrama, melodrama, melodrama; maus tratos infantis; preconceitos e abusos face à doença mental (se o é); coincidências sem fim; mais melodrama e uma pitada final de mau gosto que encerra tudo com o estereotípico sentimentalismo da moral vitoriana apaziguada.

Ora, o problema que tenho com as obras que conheço das irmãs Brönte é mais ou menos o mesmo: são relativamente previsíveis, muito exageradas e a revelar uma cultura patriarcal e misógina tremenda que, no caso de Jane Eyre, é, em concreto, uma cultura na qual o "homem ideal", o homem viril, possessivo, paternalista e incontestado, perpetua abusos verbais e psicológicos à sua amada, e, se é punido, é apenas para ser absolvido por uma espécie de emasculação das suas capacidades (visão e força) - como se assim já não representasse nenhum perigo e tudo estivesse redimido pois a relação de submissão da protagonista com ele é agora uma de compaixão e, logo, de maior igualdade.

Dou-lhe seis meses, mais ou menos, para o seu amor serenar. Observei nos livros escritos pelos homens que é esse o mais longo prazo atribuído ao amor dos maridos. Mas espero depois não lhe desagradar muito como companheira e como amiga.

A propósito de cultura patriarcal, em matéria de leitura, é preciso, no entanto, por as coisas em perspectiva e não as retirar de contexto, mas nem assim senti qualquer verdadeiro apelo pela narrativa nem, certamente, detetei nenhuma interferência de quaisquer dos valores feministas que atribuem à obra - exceção feita à presença do tópico da educação das mulheres e do casamento desobrigado (de uma forma um bocadinho atabalhoada pela necessidade constante de validação exterior pontuada aqui e ali por lampejos de amor próprio da protagonista).
No final, a realidade é que Jane Eyre não é uma mulher ambiciosa, não se revê na sua carreira e não a defende; apesar de independente financeiramente não tem nenhuma outra ambição do que casar e aceitar uma vida doméstica - logo, para Jane Eyre a carreira profissional representa apenas um modo de sobrevivência e não de concretização pessoal -; por outro lado, e embora Jane abandone Thornfield (após a revelação da existência em casa de uma "mulher louca" que até aí a não incomodou), o comportamento de Rochester jamais é questionado não se lhe exigindo nenhuma expiação ou reparo, Jane simplesmente abandona e volta para Rochester cedendo, da sua parte, os poucos valores que defendia - retidão, autoestima, princípios religiosos (se descontarmos a caridade e a penitência que não me sugerem nada de "feminismo") - e a fortuna que, por casamento, passará a ser do marido! Não admira que ele tenha tanta pressa em casar...

Embora tendo um feitio interessante que, a princípio, sugere uma personalidade forte e com vontade de se valer a si mesma, a forma como Jane resvala constantemente para a autodepreciação, para a penitência e, finalmente, para a esfera da domisticidade sem nenhuma outra aspiração do que servir um marido (que, não fora uma estranha coincidência, seria um bígamo com uma filha ilegítima, e um captor de uma mulher que pode ou não ter problemas mentais - ao pé de Rochester, quem não teria?), Jane Eyre é uma personagem frustrante, mas que, no fim, usa da sua vontade própria para escolher o seu destino, ou seja, Jane é uma personagem profundamente vitoriana a revelar já algum possível livre arbítrio. Mas faço-lhe justiça no que concerne a, várias vezes, preferir a sua pessoa às restantes. Discordo completamente das suas escolhas, mas são suas: isso também é feminismo.

O certo é que, em trezentas e não sei quantas páginas revirei tanto os olhos que já tenho a imagem da nuca impressa na memória e isso é revelador da leitora que sou. Mas, vejamos, a coisa é simples: segundo a UNESCO são publicados todos os anos vários milhões de livros em todo o mundo(wordsrated link) e, a acreditarmos no Dr. Google, temos neste momento mais de 150 milhões de livros originais por onde escolher desde que Guttenberg teve a triste ideia de criar a sua famosa prensa (graças à qual gasto anualmente tanto dinheiro que já nem me dou ao trabalho de fazer contas). Isto tudo espremido e há muito por onde escolher. Pelo menos, agora já posso riscar Jane Eyre da interminável lista dos livros a ler.