A review by anacatnascimento
His Dark Materials by Philip Pullman

5.0

Ao longo da nossa vida, vão existir livros que nos arrependemos de ter lido, outros de nunca termos acabado, mas o meu maior arrependimento em relação a esta trilogia de [a:Philip Pullman|3618|Philip Pullman|https://images.gr-assets.com/authors/1396622492p2/3618.jpg] é de não a ter lido mais cedo.

Tal como o que senti com as crónicas de Earthsea de [a:Ursula K. Le Guin|874602|Ursula K. Le Guin|https://images.gr-assets.com/authors/1244291425p2/874602.jpg], acho que se tivesse lido His Dark Materials na mesma altura que li Harry Potter ou as sagas da [a:Trudi Canavan|15890|Trudi Canavan|https://images.gr-assets.com/authors/1194378660p2/15890.jpg], [a:Sandra Carvalho|2728905|Sandra Carvalho|https://s.gr-assets.com/assets/nophoto/user/f_50x66-6a03a5c12233c941481992b82eea8d23.png] e [a:Inês Botelho|836396|Inês Botelho|https://images.gr-assets.com/authors/1462311117p2/836396.jpg], este livro tinha tido o mesmo efeito que todos esses livros tiveram na altura: o de fazer o meu eu adolescente sonhar, dar asas à imaginação, achar que os livros serão sempre um porto seguro e um lugar de refúgio.

Eu cresci, estou quase nos intas, e esse sentimento não mudou, apenas se tornou cada vez mais difícil de encontrar. Foi Pullman que o trouxe de volta, que me abraçou com a sua escrita cheia de Dust - e não digo isto no sentido de pós de pirlimpimpim, de ser infantil ou exuberante, pelo contrário (ou não fosse o senhor um gentleman inglês): é tudo orgânico, parece vir de dentro e tem sempre impregnado uma dose de humanidade, de realidade e de algo que é intrinsecamente bom, mesmo quando nos deparamos com seres impossíveis, objetos mágicos ou mundos paralelos.

Contudo, rapidamente percebemos a forte crítica à igreja católica, que na história de Lyra é o inimigo principal. Aquilo por que vemos os personagens passar é facilmente equiparado à inquisição, à perseguição dos que ousavam pensar diferente, ou das bruxas - História que sabemos ser real. Para um livro que eu assumia ser young adult, é muito veemente na maneira como retrata a religião como sendo a causa para os problemas do país e do planeta, enquanto mostra a ciência como solução e como avanço. I see no lies here.

O foco na dicotomia certo/errado também é muito importante ao longo dos 3 volumes, e nunca deixa de nos lembrar de que temos sempre de fazer o que é certo, mesmo que isso nos custe... bom, tudo.

Com uma premissa original e um desenvolvimento de personagens (e não são assim tão poucos) de topo, Pullman conseguiu criar um universo incrível, cheio de magia e verdadeiras pérolas de sabedoria, mas com a dose certa de realidade para que consigamos extrapolar para a atualidade e para as nossas próprias vidas. Há algumas falhas no enredo, coisas que acontecem aparentemente do nada e mudam tudo, ou pequenos pormenores que surpreendentemente põem cobro às nossas dúvidas, mas não foi por aí que desfrutei menos desta trilogia.

E o final? O final é tudo aquilo que tinha de ser, que os três livros nos prepararam para, que sabemos lá no fundo que vai acontecer, mas queremos adiar o momento até ao último segundo possível. É de partir o coração, é de trazer lágrimas aos olhos, mas é tão bonito! E, no final de contas, não é por estes momentos que lemos? Para sentirmos um bocadinho de nós a ir como Dust com a última página, e as borboletas na barriga e o coração apertado sempre que pensamos nesta história e nestes personagens.

Às vezes, quando tento passar o efeito que livros como estes têm em mim, falham-me as palavras e custa-me explicar algo que não se explica, mas que se sente. Às vezes, acho mesmo que não é possível transformar em linguagem este remoinho que se aloja entre o estômago e o coração. Às vezes, nem tenho a certeza se é mesmo isso que é. No final, isto é o que me consola:

You think things have to be possible? Things have to be true!