A review by rosabrancaa
A Espuma dos Dias by Boris Vian

4.0

Vian atira-nos para uma salada de surrealismo assim que entramos nas primeiras páginas. Os objectos à volta das personagens reflectem o seu estado de humor e acompanham o tom da história. "Não são as pessoas que mudam , são as coisas"
Ficamos a sentir-nos apertados quando as paredes apertam; ficamos a sentir-nos sonhadores e leves quando os dois sóis iluminam ambos os lados do corredor da casa.
Existem dois momentos claramente pautados na história: um muito sonhador, leve, primaveril, quase aborrecido de tão mágico e feliz; e um muito trágico, pesado, triste, sufocante. À medida que as páginas do livro vão terminando vamos entrando numa espiral cada vez mais intensa e rápida de tragédia. Quase operático.
Acho que este livro vai dizer coisas diferentes a pessoas diferentes. Para mim, um dos temas é a crítica e sátira ao valor do trabalho. O trabalho é visto como algo pesado, estupidificante, algo que existe porque alguém disse que tinha que existir e ninguém questiona.
Outro, muito muito presente, é o custo que as grandes paixões, sonhos e fascínios têm. Todos os sonhos e paixões das personagens vêm com uma factura muito pesada. Eu diria quase que os retrata como um vício, que à medida que o consumo vai ser sendo feito, as exigências do vício são cada vez maiores, entrando-se numa espiral de pura decadência. De alguma forma, também estupidificante.
Este mote está logo presente na primeira página do livro, quando o autor nos alerta com "Só existem duas coisas: o amor de todas as maneiras, com raparigas belas, e a música de Nova Orleães ou Duke Ellington. O resto deveria desaparecer, porque o resto é feio".
É uma obra triste também porque coloca a condição humana num prisma muito fatalista e negativo. Contudo, entre as hipérboles e os surrealismos loucos de Vian, ficamos presos e lemos esse desfecho sempre com um sorriso entre linhas.