A review by figumaster3k
Wir Kinder vom Bahnhof Zoo by Christiane F.

challenging dark emotional reflective sad tense medium-paced

5.0

Este livro destruiu-me por completo, de uma forma que eu não podia antecipar. Nesse sentido é importante dizer que o título português me parece um pouco mal empregue, e quebra muito do impacto que o livro realmente tem. Porque se o título genérico Os Filhos da Droga anuncia um livro pouco impactante com pouco conteúdo por trás para além de propaganda anti-droga, o título original Nós, Crianças da Estação do Zoo captura muito mais da complexidade que o livro vai explorar.

E é estranho ver um livro escrito de forma tão simples e direta atingir um impacto tão grande, porque comparado com muitos outros clássicos, a prosa de Christiane F. não é a mais tecnicamente impressionante. Mas se a prosa não oferece muito em duplos sentidos, metáforas e poética ambiciosa, toda a crueza e visceralidade com que a história é contada ultrapassa qualquer impacto que seria causado por essa maior qualidade técnica com que o livro seria escrito. Não importa, na verdade, porque este é um testemunho em primeira pessoa sem qualquer filtro, sem qualquer tipo de romantização do que era a cena da droga em Berlim no fim dos anos 70.

O detalhe clínico com que tudo é descrito, e a forma tão brutal como coloca o leitor nesta vida, sem qualquer tipo de rodeios, causa uma sensação de repulsa que poucos livros conseguem causar. Sim, este é um livro que eu odeio por todas as vivências que me faz passar, por ser um bloco ininterrupto de 350 páginas de puro nojo, desconforto e uma aversão completa ao que se passa nele. Não só o nojo ao mundo da droga, puro e duro como é descrito aqui, mas Christiane F. vai mais longe, muito mais longe, e reflete incessantemente sobre o lado mais negro da humanidade com que ela teve que conviver. Esse lado que a converteu a um mundo sem retorno, e esse lado que, mesmo passada a tempestade, continua a parecer uma inevitabilidade da natureza humana.

É acima de tudo um livro sobre como crescer, sobre sonhos ingénuos de crianças profundamente torturadas por uma vida que não tem remorsos pelos mais fracos e destrói todos inevitavelmente. Não ficamos verdadeiramente a conhecer ninguém porque bem lá no fundo, Christiane também nunca chega a conhecer verdadeiramente ninguém, e como reflete várias vezes, está completamente sozinha no mundo por mais que viva rodeada de vítimas igualmente trágicas do mesmo destino.

O valor de choque que este livro traz não é desperdiçado em momento algum, e a reflexão que faz vai muito para lá do simples abuso de droga. É também uma decisão incrível interromper a narrativa com testemunhos reais, alguns mais académicos ou oficiais por parte de terceiros não diretamente envolvidos com o enredo mas diretamente envolvidos na luta contra a onda de droga, mas também da mãe de Christiane, que nos apresenta uma segunda visão sobre os acontecimentos que vemos relatados através da mente profundamente traumatizada da autora. 

É impressionante um livro causar-me um nível de repulsa tão grande quanto este livro me causou, e tantas vezes, de forma direta ou indireta provocar uma reflexão séria sobre a natureza humana e o que mais há de profundamente desolador nela. É um livro que dificilmente vou esquecer, um livro que poucos conseguem igualar, e um livro que para mim vai ter deste momento em diante um peso tão grande quanto teve para tantas gerações desde que foi lançado.


10/10