A review by katya_m
A Idade da Inocência by Edith Wharton

"Reviu o casamento dos amigos, aqueles que eram supostamente felizes, e não encontrou nenhum que correspondesse sequer remotamente à camaradagem apaixonada e terna que imaginava como relação permanente com May Welland. Compreendeu que um quadro desses pressupunha da parte dela a experiência, a versatilidade, a liberdade de julgamento que ela tinha sido cuidadosamente treinada para não ter; e com um arrepio premonitório viu o seu casamento tomar-se o que a maior parte dos casamentos à volta dele era: uma associação aborrecida de interesses materiais e sociais mantida por ignorância de um lado e hipocrisia do outro."
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Não é fácil dizer alguma coisa (ainda não dita) sobre A Idade da Inocência. Não é a minha Edith preferida, mas é uma Edith de peso esta que encontramos num romance de costumes vitorianos - não há como escapar, nem que os personagens vivessem na China - que nos vendem sempre como muito sérios e dignos. E são-no, mas não debaixo do verniz.
Ainda assim, em 2022 torna-se algo repetitivo abordar um caso de amor proibido, estamos fartos de levar com eles em tudo o que é livro (etc, etc), mas nem por isso deixamos de os consumir e debater em diversos contextos atuais. Logo, esse não é motivo suficiente para fazer descer a escritora na minha consideração, especialmente tendo em conta que o livro já fez os seus cem aninhos (ainda que eu imagine sempre Edith Wharton como escritora contemporânea. Não perguntem...).



5th Avenue and 59th Street, New York City, 1897
(www.vintage.es)

Para lá de escolher um tema que não se irá nunca esgotar, embora a mim canse particularmente, Edith joga com um mundo de hipocrisia e aparências que, embora ligeiramente evoluído, não se encontra extinto. Ainda se vive a vida de modo a salvaguardar a imagem, ainda se fazem julgamentos de valor sexistas, ainda nos acomodamos a situações fáceis e habitamos mundos fechados e seguros - e quando ousamos pisar o risco, tomamos muitas vezes a decisão de o fazer na clandestinidade.

"Archer tinha voltado a todas as suas antigas ideias herdadas sobre o casamento. Dava menos trabalho aceitar a tradição e tratar May exactamente como todos os seus amigos tratavam as esposas, do que tentar pôr em prática as teorias que o seu estado de solteiro desimpedido lhe havia sugerido. Não valia a pena tentar emancipar uma esposa que não tinha a menor noção de que não livre."
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Assim, não somos muito diferentes de Newland Archer e Ellen Olenska, e estes são, pelas escolhas que fazem, apenas dois entre muitos produtos do tempo e da sociedade que habitam e que, por conformismo, medo ou doutrina, procuram preservar.
E Edith Wharton é uma farpa afiada na sociedade americana ao estilo de Eça de Queiroz. E uma Senhora que viveu aquilo que pregou: uma mulher emancipada, intrépida, culta, viajada, divorciada e genial!

A Idade da Inocência não é dos meus livros preferidos - o seu modelo está ultrapassado (na minha opinião); a narrativa tem um desenrolar demasiado lento; e o narrador é demasiado dado a solilóquios deprimentes e planos frustrados à partida pela sua covardia -, mas a escritora é das mulheres que mais admiro por se opor a uma existência superficial, e a uma sociedade modelo inalcançável, e indesejável, cujos padrões de conduta feminina são absolutamente ridículos. Num mundo onde homens e mulheres habitam polos opostos, e onde estas últimas são tidas por tolas cativas, carneiros sacrificiais, papagaios que replicam o pensamento e a vontade dos maridos, Edith Wharton trabalhou sempre para fazer valer a igualdade intelectual e emocional dos "exóticos", dos "estrangeiros", dos "originais": logo, das mulheres. E fá-lo muitíssimo bem neste livro.
De inocente esta idade tem muito pouco...

"A verdadeira solidão é viver entre todas estas pessoas simpáticas que querem que se finja."
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